Este ano a Direção de Serviços de Museus e Património Cultural aderiu à efeméride que assinala o Dia Internacional dos Bens Culturais da Igreja com o tema de desenvolvimento «(Re)Ver a Arte Cristã».
Para integrar este evento foi escolhido o projeto OBRA CONVIDADA com a abertura desta exposição no
Museu Quinta das Cruzes, no dia 21 de outubro, sexta-feira, pelas 18h, e com visita guiada pelo Dr. Francisco Clode Sousa.
O projeto
Obra Convidada integra-se num conjunto de iniciativas promovidas pela Direção de Serviços de Museus e Património Cultural da Direção Regional da Cultura da Madeira, visando implementar dinâmicas de divulgação das coleções dos museus em diálogo com coleções privadas, quer regionais, ou nacionais, permitindo diálogos e estudos entre as obras de coleções privadas e o espólio dos museus da Região Autónoma da Madeira, numa relação concertada de laços institucionais.
Arrependimento Barroco - São Pedro
Pintura desconhecida de uma coleção particular madeirense
Exposição de três pinturas do século XVII representando São Pedro integrado na iconografia de
São Pedro penitente ou
Lágrimas de São Pedro, tema tão amado pela Contrarreforma. Duas pinturas são da coleção do
Museu Quinta das Cruzes e a outra de uma coleção particular madeirense que foi especialmente emprestada para esta exposição, sendo, assim, possível, deambular pela hagiografia do santo como pela iconografia deste tema, num tempo que seguiu as diretrizes tridentinas.
Em 1517 vai iniciar-se na Europa do Norte um importante movimento reformador, que irá abalar a Igreja Católica Romana, designado por
Reforma Luterana, iniciado com a publicação das teses de Martinho Lutero.
As razões deste cisma na igreja vão para além das considerações religiosas estritas e prendem-se com circunstâncias políticas, geoestratégicas, mentais e económicas da Europa de então.
A Igreja Católica Romana irá reagir a este movimento com a designada
Contrarreforma Católica, expressa através da realização do Concílio de Trento, entre 1545-1549, 1551-1552 e 1562-1563.
Contrariando a iconoclastia reformista, que recusa o culto das imagens, na XXV sessão do Concílio de Trento, em 1563, a Igreja Católica defende a utilização das imagens como representação ou alusão do sagrado, com fins pedagógicos da prática doutrinal.
Docere, delectare e movere, ou seja,
ensinar, deleitar e comover, são os conceitos chave da produção imagética pós Concílio e que estarão na base da construção de um novo imaginário religioso, que se expandia também para além do continente europeu, nos novos mundos descobertos.
Assim, as três pinturas aqui expostas, representando São Pedro em confissão e arrependimento, temas muito caros à Igreja contrarreformada, na busca do perdão, revelam a tradição pictórica das escolas espanholas e italianas do final do século XVI e de todo o século XVII.
As duas primeiras pinturas, pertencentes ao
Museu Quinta das Cruzes, enquadram-se no tema do
Arrependimento de São Pedro ou das
Lágrimas de São Pedro, apóstolo e fundador da Igreja Católica, que negou por três vezes Cristo. A terceira pintura, pertencente a uma coleção particular da Madeira, expressa a dimensão da meditação, introspeção e da oração, como caminho do perdão, numa óbvia alusão à reconversão do rebanho perdido pela Reforma.
As três pinturas representam um ideário concetual, na sequência da criação dos efeitos de
chiaroscuro, segundo modelos do grande pintor italiano Caravaggio (1571-1610), que terá grande repercussão em toda a Europa, difundindo-se os efeitos tenebristas, entre a luz e a sombra, e o naturalismo, que se expressa na inclusão de tipos socias populares ou comuns na representação pictórica.
A pintura n.1, atribuível a uma oficina espanhola próxima do círculo de José de Ribera (1591-1652), expressa a tensão emotiva do arrependimento, tendo o santo os olhos marejados de lágrimas, com soluções lumínicas e tonais de efeito dramático, numa objetiva contenção de meios e efeitos, centrados na expressividade do rosto e das mãos.
A pintura n.2, atribuível a uma oficina napolitana, revela efeitos intensos de luz-sombra e uma cintilância tonal nos brancos e azuis criando efeitos de dispersão visual mais intensos, num tipo social marcadamente popular. Identifica São Pedro como pescador.
A pintura n.3, a obra convidada, pertencente a coleção particular, revela proximidade a oficinas italianas do designado mestre
dell´Annuncio ai pastori (Bartolomeo Passante, ativo entre 1630-1656), ou Luca Giordano (1634-1705), conhecido por
fa presto. A pintura, com muitos sensíveis efeitos lumínicos e tonais, concentra na cabeça do santo e nas suas mãos a tensão expressiva, transformando-a numa introspetiva e emotiva imagem devocional.
Nas pinturas é reconhecível o efeito diagonal na composição com a exploração cuidada da postura a três quartos da figura, acentuando os efeitos da luz e da sombra, e da sua dramaticidade, o
pathos barroco.